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sinfonia inacabada dos pares de sapatos
(ou o infortúnio de se sapatear sobre rosas)

quarenta e três passos dados, compartilhados, em silêncio. os pés caminham sobre as rosas, os sons são abafados pela acústica floral. não é preciso um farfalhar de folhas secas para que a música seja ouvida, tenho ouvidos apurados, sensibilidade musical nos tendões. e um calcanhar de aquiles.

a cada passo, o silêncio compassado desses passos me agrada.
uma sinfonia muda de notas e pétalas pautadas em cadarços brancos.
melodias são compostas.
melodias silenciosas sobre rosas expostas, entreabertas ao chão.
melodias sinuosas que se entrelaçam nos laços dos meus sapatos desamarrados.

a noite muda.
a noite é muda e grita.
a música cessa sem calar-se.
quem se cala são os pés, calejados.

pé ante pé. perante os pés musicais que tocam notas semibreves em breves semi-olhares, a música é gritante e toma conta do ambiente sem rosas. não existe mais a suavidade melódica do silêncio, preenchido agora pelas folhas ríspidas e rígidas, a soar em caixas acústicas monofônicas.

monossílabas pronunciadas acabam com a harmonia sonora.
as rosas que murcharam ou eu que não sei andar sobre elas?

os discos na parede tocam a mesma velha música estática. os objetos abjetos de vinil, inanimados, intimidam meus pés. outros pés a dançar as músicas não se importam em fazer melodias, não deixando de ser graciosos, mas prefiro pés que criem seus próprios arranjos musicais sobre arranjos florais.
passo a ser apenas outro ouvinte de uma música não autoral.
quarenta e três passos para voltar.
melodias são decompostas.
melodias descompassadas tropeçam no desenlace do cadarço dos seus passos.

hoje é domingo, pé de cachimbo.
meio-dia sem melodia.
o silêncio toca ao aparelho telefônico.
mudo.
de sapatos.

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