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borra.

de novo aconteceu a dor, o ardor do pó escuro, esquálido, recaindo sobre a pele. e talvez, dessa vez tenha sido mais doloroso ao imaginar, e mais verdadeiro do que quando fora realidade. foi? nunca acreditei naquela madrugada, nos passos lentos embriagados de pesar que se arrastavam por entre os carros e putas aceleradas, em que a chuva fina descia em lágrimas e encharcava a imitação persa no hall de entrada, enquanto eu esperava pelo elevador, elevando a dor, e levando a dor que não escoava. não acreditei nem mesmo na palidez da manhã seguinte, no café requentado quebrando jejum, na caneca, quebrada em mil pedaços no chão da cozinha, no som vermelho estilhaçado quebrando o silêncio e a palidez do domingo, na água suja escorrendo negra sobre a cerâmica do piso frio, por entre aquele eu fragmentado, reduzido a cacos.

foi. e eu nunca quis acreditar. ou preferi não engolir aquele gélido líquido escuro, acreditando que, como nessa noite, tudo aquilo fora um sonho ruim, sumo de grãos apodrecidos coados em uma imaginação fértil, resíduos que entrariam em decomposição facilmente. mas essa podridão às vezes germina, e essa noite, como em outras muitas, a dor brotou mais verossímil e menos palatável do que quando ocorreu naquela atmosfera artificialmente real, mesmo sem chuva, ou carros e putas, sem o carpete, nem o vermelho sobre a cerâmica.

alucinações reais reaquecidas que se misturaram na xícara.
só acredito na dor quando desce pela garganta.

e mesmo consciente de ter despertado, as sobras da dor ainda residem ao fundo, e eu não quero acreditar na veracidade desse sonho, ou em um passado frio relido na borra úmida. tento manter-me acordado, o café passado que não côa a dor. o coador sujo na pia, só ecoa os fatos esperando que alguém o lave com suas alvas desculpas insolúveis. as manhãs seguintes, sempre são assim, amargas. a cafeína que já não mais funciona...

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fim do oito sem fim.

a última elipse do oito, um resíduo minguante de duas luas cheias, gêmeas siamesas. uma única luz tímida neste quase sempre céu negro, salpicado de pó de cinza. à espera de estrelas de artifício eclodirem, seria difícil não notar o reluzente arco solitário se reduzindo, predizendo o nove, novo, que está por vir. o porvir parece imperfeito e incompleto. o nove assimétrico, com uma ponta que amedronta; uma afronta ao oito. oito infinito que hoje chega ao fim. um ano que girou em torno de órbitas com eixos deslocados, no qual o céu foi partido em oito partes diferentes para que pudéssemos ver que, lá de cima, existem mais estrelas espalhadas pelo chão do que podíamos imaginar. estrelas colossais que irradiam mais intensamente do que qualquer outra. estrelas palpáveis que jamais irão estar em minhas mãos, mas se encaixam perfeitamente em uma centelha do olhar. tivemos todas e nenhuma para comemorar. mas tivemos o que comemorar. e depois de tantas reviravoltas ao percorrer as duas circunfer