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falando sobre fernando e augusta.

estavam sentados, frente a frente, àquela mesma mesa circular onde o sempre parecia passar tão rápido. o mundo que girava depressa ao redor deles não era tão maior que o diâmetro da mobília que os separava. se parados naquelas horas, que durariam o tempo necessário para que fossem as melhores horas de suas vidas, a distância pouco importava. eles estavam no topo daquela torre de babel que os rodeava, em extremidades opostas, mas ainda perto um do outro, o que não os impedia de falar. e falavam.

ela falava com tenra nostalgia daquele antes, no qual seus amores gravados em rochas continentais nunca seriam afogados pela elevação do nível do mar. suspirava ao contrário, ao lembrar de desamores voláteis, lacrimejando com o vapor emanado que entrava em seus olhos. ela só queria fugir para algum lugar dentro de si e enfrentar a dificuldade do crescer sola e longe disso, mas perto daquilo tudo que estava bem diante dos seus olhos inundados. falava sobre se perder em lugares insólitos, para além desses oceanos, onde os idiomas eram tantos, tão fluidos, entretanto, todos se entendiam sem dizer verbos conjugados em um pretérito perfeito. ela temia aquele futuro do presente enevoado no qual sobrenomes pendurados em divisórias de concreto indicam um potencial inutilizado. e ela trocaria as sólidas paredes ocres de concreto para ser una chica almodóvar no filme daquelas idas e vindas pela calle melancolía, que eles costumavam chamar de vida. e falava das contas pendentes por verbalizar demais quando o que mais queria era não pagar para ser ouvida. e sabia que jamais seria olvidada mesmo que ele não mais a ouvisse. ela queria ver o novo de perto, ou de novo aquele longe, mas tinha saudade precoce do agora no qual se perdia, e que chamava de lar. ela falava sobre ir, enquanto ele...

ele falava em ficar, mas não para sempre, e sempre andar por pertos diferentes, mas tinha medo de andar sozinho por el bulevar de los sueños rotos. e, con ganas de llorar, falava sobre seus quase-amores que não queria esquecer e sobre navios gigantescos que afundavam como rochas naquele mar de esquecimento. suspirava demasiadamente ao contrário, mesmo sabendo que não deveria fazê-lo, e assim zelava à distância por quem nunca esteve tão perto, afinal, ele entendia muito bem a relatividade das distâncias, e de como o longe pode estar além da linha daquele horizonte curvilíneo da mesa à qual estavam sentados. ele se deixava conduzir pela linha de pensamento que ela citava de seus autores favoritos, e eram tantas as linhas que não cabiam em uma só prateleira da estante. ele a ouvia enquanto desatava os nós de suas linhas que se estendiam infinitamente através das barreiras de concreto. acreditava que a película inédita de suas vidas não teria uma narrativa linear, e cada cena poderia ser remontada se quisessem, mas sabia que se passaria naquela cidade, sabia quando e como começou, e também sabia a hora em que os créditos apareceriam dizendo sempre que filmes bons não possuem seqüência. ele falava da simplicidade do não que ele não sabia dizer, e também do nada ser tudo, e, mesmo quando não falava nada, ela entendia e ouvia seus verbos de um pretérito imperfeito e ressaltava tudo o que ele pensava não saber.

ela era a tradução do verbo naquelas frases.
ele pontuava as orações.

já não mais falavam nada quando tudo foi dito.
no silêncio das extremidades da mesa, foi ouvido:

“ya te extraño”

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